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UNIVERSIDADE E RACISMO: A UNEB E O CASO CARLA CLEIDE

UNIVERSIDADE E RACISMO: A UNEB E O CASO CARLA CLEIDE

                       Ricardo Tupiniquim Ramos, Professor Doutor, UNEB, Caetité

“Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação?”. (Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido)

 

Em abril deste ano, Carla Cleide Lopes Barboza Lino, estudante de Letras do Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias do campus XXIII da Universidade do Estado da Bahia, localizado em Seabra, denunciou ao Ministério Público de nosso Estado ter sido vítima de práticas racistas por parte da atual gestora daquele departamento, professora Iranice Carvalho da Silva, e pela coordenadora do referido curso, Cristiane Andrade, no ano de 2015, durante renovação de estágio remunerado na própria universidade.

Infelizmente, apesar do pioneirismo da instituição no implemento de políticas de reparação racial em nosso Estado e no Brasil, este não é um caso isolado na UNEB,. Assim, em Caetité, em 2012, denúncia análoga de uma especializanda em Educação e Relações Étnico-raciais levou à demissão de funcionária terceirizada e ensejou, desde então, como instrumento de prevenção à continuidade desse tipo de violência, a inclusão no “Leituras de Áfricas” – evento do Novembro Negro promovido por coletivo de pesquisa liderado por mim e outros colegas – de curso de formação para servidores técnico-administrativos sobre as questões raciais em ambiente de trabalho.

Lamentavelmente, também não é exclusividade da UNEB, visto que em 30 de abril do corrente ano,

“[...] Mônica Mendes Gonçalves, aluna negra da Faculdade de Saúde Pública, foi barrada pelos seguranças do prédio da Faculdade de Medicina. Mesmo com a carteirinha da USP em mãos, a aluna foi impedida de entrar sob o argumento de que apenas alunos de medicina poderiam entrar no prédio. Enquanto isso, outras pessoas – brancas – entravam no prédio e uma delas nem se identificou. Depois de muita insistência, Mônica foi escoltada pelo segurança para dentro do prédio até o local onde já estavam seus colegas do curso de Saúde Pública (que não haviam sido barrados)”. (Cf. www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/Racismo-na-USP-A-Universidade-e-seu-racismo-institucional/5/30925)

, fato que provocou, no último 13 de maio, protestos de estudantes (não só os negros) da maior universidade do país contra seu racismo institucional.

Voltando ao caso unebiano-seabrense, segundo a denunciante, em entrevista ao jornal A Tarde, “A diretora e a coordenadora do curso de letras disseram para minhas colegas que eu não precisava do estágio, porque eu sabia cozinhar, fazer bolo e faxina”, numa alusão à sua habilidade com serviços domésticos, fato conhecido pelas acusadas, ocupantes da casa de professores da UNEB, onde trabalhou como diarista entre 2005 e 2013.

Foi nesse período que, por sinal, eu conheci a denunciante, pois, entre 2008 e 2010, fui professor-cooperador daquele departamento e me hospedava na casa de professores quando a serviço naquela cidade. Competente empregada doméstica e zelosa mãe de família, Carla Cleide decidiu ser exemplo para os filhos de que é possível para uma mulher negra, sertaneja e nascida em condição socioeconômica desprivilegiada lutar por melhores condições de vida por meio do estudo. Isso a levou a prestar o vestibular, a ser aprovada, a ingressar no curso de sua escolha e aí começar sua trajetória acadêmica, atrapalhada pelas ações racistas alegadas.

Feita a denúncia e uma vez informada, a Reitoria compôs comissão sindicante por meio da Portaria 989/2018, publicada no Diário Oficial do Estado da última de 6/04/2018, “para apurar as denúncias de racismo e apresentar relatório final para a Reitoria no prazo de 30 dias, em conformidade com trâmites administrativos da instituição e da legislação vigente”.

Mais de dois meses depois de nomeada, portanto, com um mês de atraso em relação à data em que deveria apresentar relatório final de seus trabalhos, a comissão sindicante – composta, segundo a acadêmica de Letras, por pessoas próximas ao Reitor da UNEB, aliado político das acusadas –, sequer conseguiu ouvi-la bem como às suas testemunhas, pois, inicialmente, a data prevista para os depoimentos foi adiada e, em seguida, sucessivamente remarcada para datas coincidentes com dois feriados municipais em Seabra, o que inviabilizou a realização dos trabalhos.

Somente após denúncia desse estado de coisas pelo vereador soteropolitano Henrique Carballal (PV) – aliás, é uma vergonha para a esquerda baiana que, além dos movimentos sociais, um parlamentar de direita seja a única voz da política institucionalizada em defesa da licencianda em Letras –, a presidente da referida comissão, Marta Enéas da Silva, se dignou a marcar nova audiência do processo sindicante, desta vez agendada para o dia 27 de junho, às 15 horas.

Contudo, salvo melhor juízo, essa data e horário são absolutamente inadequados para oitiva da estudante e de suas testemunhas, pois, segundo recomendação da Governadoria do Estado, em dias de jogos da seleção brasileira na Copa do Mundo (como, por exemplo, 27 deste), nas repartições públicas estaduais, haverá ponto facultativo. Além disso, estamos em junho, período em que, devido às maiores festas populares do Nordeste e da Bahia – iniciadas no dia 13 (Santo Antônio) e, no nosso caso, estendidas para além do dia 29 (São Pedro), pois só encerradas em 2 de Julho (Independência da Bahia) –, talvez seja difícil reunir as pessoas a serem ouvidas.

Ora, resta saber (e, conforme o adágio popular, “perguntar não ofende”): a comissão sindicante age alheia à cultura popular e às recomendações oficiais do Estado da Bahia para o funcionamento de suas repartições; ou, (re)marcando a oitiva das pessoas envolvidas no caso para datas impossíveis, age para levar a acadêmica de Letras – que, desde as práticas racistas denunciadas, dorme graças a doses diárias de rivotril – a solicitar, via seu advogado, mais um adiamento e, assim, aparentar descaso desta, aos olhos das comunidades acadêmica e externa? Além disso, haveria algum interesse institucional em essa história cair no ostracismo?


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