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PROFESSOR DA UNEB E JUIZ FEDERAL RECEBE TÍTULO HONORIS CAUSA NA FAINOR

PROFESSOR DA UNEB E JUIZ FEDERAL RECEBE TÍTULO HONORIS CAUSA NA FAINOR

 

O Professor do Curso de Direito da UNEB, campus XX, em Brumado, João Batista de Castro Júnior, que é também Juiz Federal, foi agraciado com o título de doutor honoris causa pela Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR), uma das mais tradicionais escolas de ensino superior do interior da Bahia.

Numa cerimônia bastante concorrida e marcada por discursos brilhantes, foram ressaltadas as virtudes cívicas de João Batista, a qualidade de suas decisões que honram a Justiça Federal, e sua atuação docente.

O título de doutor “honoris causa” é o maior galardão universitário e é outorgado a personalidades com notória contribuição à vida social, às artes, à literatura e à ciência.

Reitor da UESB, Professor Luiz Otávio, discursa em homenagem ao agraciado

A essa solenidade, além do Diretor Geral da FAINOR, Professor Edgar Larry, estiveram presentes, representando suas instituições, o Reitor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Professor Luiz Otávio, os Defensores Públicos Federais Leila Alencar Carinhanha e Deraldino Araújo Junior, o Delegado da Polícia Federal Victor Menezes, o Juiz de Direito Juvino Henrique Brito, o Tenente Coronel Lucas Miguez Palma, o médico Josué Figueiras, Diretor do Hospital SAMUR, além de professores e discentes.

Depois do exuberante discurso proferido pelo Professor Edgar Larry, com calorosas citações poéticas, o Professor João Batista agradeceu a honraria, disse ter sido tomado de surpresa, julgando-se abaixo da importância do título. Após essa cerimônia, João Batista integrou em seguida, como palestrante, o evento de discussão dos fundamentos jurídicos sobre o habeas corpus impetrado pela defesa de Lula perante o STF, ao lado da Professora Luciana Santos Silva, da UESB, e do Delegado de Polícia Judiciária, Luiz Henrique Machado. 

Aproveitamos a oportunidade para ouvir do professor agraciado algumas das observações que foram lançadas na noite sobre toda a questão que envolve a condenação do ex-Presidente Lula

PROBUS: Nos últimos tempos aqui na região o senhor se tornou conhecido pelo volume das críticas técnicas dirigidas à condenação e prisão do ex-Presidente Lula. Suas abordagens são benéficas ao debate? Elas têm alguma coloração política?

PROFESSOR JOÃO BATISTA: Antes de mais nada, creio que o significado de político foi muito bem dado pelo Professor Luiz Otávio, Reitor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, ao remeter ao étimo primário “pólis”. Somos todos parte dela e, numa democracia, somos todos políticos. Na era da tecnologia da informação, as “ecclesiae” dos atenienses tornaram-se assembleias virtuais, a “ágora” (“praça”) é a rede mundial dos computadores.

Isso transcende política partidária, até porque a desilusão com ela tem sido enorme. Penso que o prestígio do ex-presidente Lula nas pesquisas eleitorais é demonstrativo de que ele é visto como alguém acima das conveniências partidárias, tanto que nomes indicados para ser sucessor, caso não possa concorrer, não gozam dos mesmos índices.

Sou de opinião inclusive que sua abertura política, como Presidente da República, para além do próprio partido pode ter sido excessivamente flexível nas escolhas de composição do Judiciário brasileiro.

PROBUS: A prisão e condenação dele não deveriam estar sendo prestigiadas pelos Juízes, em vez das críticas que o senhor desfere? Essa sua  conhecida perspectiva crítica, apesar de bem construída, não é ruim para a instituição a que o senhor pertence?

Longe disso. As críticas que formulo, que, a propósito, são feitas na condição de professor de uma Universidade pública, podem contribuir para um debate mais amplo sobre o papel do Judiciário, que, aliás, historicamente, nunca foi bem visto.

PROBUS: Como assim?

PROFESSOR JOÃO BATISTA: Cruze as informações e análises feitas em três obras clássicas: “Coronelismo, enxada e voto”, de Victor Nunes Leal, que foi Ministro do STF cassado pelo AI-5, pelas posições avançadas e intransigentes na soltura de presos políticos; “Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro”, de Raymundo Faoro; “Burocracia e sociedade e colonial”, do historiador norte-americano Stuart Schwartz.

O que emerge delas é um Judiciário vivendo, desde a origem, em relação de pura promiscuidade com o poder, segundo esses autores. Isso se tornou quase um inconsciente coletivo, pois o Judiciário é visto,  certo ou errado, para usar de palavras comum ao léxico bacharelesco, como “sinecura” e “prebenda”, algo como um mar de regalias.

Quando se dirigem críticas a um modelo condenatório débil se quer muito mais que o Judiciário corresponda às legítimas expectativas sociais do que simplesmente atacá-lo.

PROBUS: No caso da prisão de Lula, a confirmação feita pelo STF não indica maturação jurisprudencial por quem tem a atribuição constitucional de guiar a compreensão judiciária do assunto pelos precedentes?

Qual precedente? Porque já não sei qual deles seguir, pois o do ano passado já não serve, o do ano retrasado também não. E fico sem saber se outros bem diversos não virão a seguir. Curiosamente, ouço Ministros de Tribunais a todo instante falando quase que com êxtase dos precedentes norte-americanos. Um dos mais citados é célebre caso Marbury x Madison, que instituiu o “judicial review”, ou a possibilidade de o Judiciário rever certos atos políticos e da administração pública. Ele é de 1803! Isso mostra como as decisões são tratadas com estabilidade naquele País.

Por que por aqui os precedentes da Suprema Corte são como as flores de Malherbe, que duraram uma manhã?

PROBUS: O senhor não acha que, numa operação desse volume da Lava Jato, o juiz de fato tenha que se valer de medidas mais duras para não permitir que os processos fiquem eternamente à espera de julgamento, algo que sempre esteve associado à imagem de um Judiciário não funcional?

Um juiz mais ou menos rigoroso é algo conatural dentro de qualquer organização ou instituição, porque não se forma um juiz como se fazem robôs. Não é isso que está em causa, mas sim a mera fachada em que se tornaram os direitos e garantias processuais.

PROBUS: Por exemplo?

São vários. Fiquemos nos mais conhecidos. A Lei de Execução Penal que regula as condições prisionais diz, no art. 41, que constituem direitos do preso a visita de parentes e amigos. Isso não foi respeitado por diversas vezes.

O art. 220, do Código de Processo Civil, que se aplica a qualquer processo neste País, diz que o juiz não pode praticar atos processuais durante as férias individuais. O Juiz Sérgio Moro deliberadamente transgrediu esse comando legal.

Nossa lei processual admite embargos dos embargos, e há vários precedentes do TRF-4 nesse sentido. A regra não valeu para Lula, aprisionado antes de esgotar-se o prazo para oposição desse recurso.

A Constituição consagra a superposição de instâncias judiciárias como inerente ao sistema, o que significa dizer que o inferior hierárquico cumpre ordem dos seus superiores. O Juiz Moro expressamente descumpriu a ordem de um Desembargador plantonista e ainda contou com a contraordem de um que não estava de plantão. 

Ele como que inverteu a pirâmide judiciária, mais ou menos como “o soldado agora manda no coronel”. Não foi um caso isolado. Quando recentemente o STF determinou a soltura de José Dirceu, o mesmo Juiz Federal proferiu decisão impondo tornozeleira eletrônica, como se lhe fosse dado limitar ordem do Supremo, o que levou o Ministro Toffoli a lhe dar puxão de orelha, como já havia feito o Ministro Zavascki quando do vazamento dos áudios da Presidente da República no julgamento da Reclamação  23.457.

Quando vários desvios e abusos processuais foram denunciados ao TRF-4, a exemplo de grampos em escritório de advocacia, divulgação de interceptações telefônicas da Presidente e importação de provas da Suíça sem autorização necessária, esse Tribunal entendeu que os processos da Lava Jato "trazem problemas inéditos e exigem soluções inéditas".

Quando se tem um ordenamento jurídico fundado em alicerces democráticos, nenhum ineditismo se admite para restringir liberdade. A não ser que se esteja num estado de exceção, a exemplo do estado de defesa, previsto na Constituição em que a ordem pública ou a paz social se encontram ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional.  Mas mesmo nele, a propósito, é vedada expressamente, pela Constituição, a incomunicabilidade do preso.

PROBUS: Como o senhor vê a discussão sobre a elegibilidade ou não do ex-Presidente Lula, inclusive a manifestação do Comitê de Direitos Humanos da ONU?

Uma das funções judiciárias mais importantes e que foi gradualmente crescendo nos últimos tempos em busca da efetividade é sua atuação preventiva, a exemplo de quando paralisa a intervenção ambiental que possa se revela desastrosa, quando impede a administração pública de criar ônus ao erário antes que o gasto seja feito, quando ordena que medicamentos ou procedimentos cirúrgicos sejam assegurados antes que o problema do doente se agrave.

Nas últimas décadas, as técnicas chamadas de sumarização processual visam a dar ao Judiciário a função de prevenir o problema pelas tutelas de urgência, por  se desconfiar do pouco poder solucionatório da função repressiva ou reparatória, aquela que acontece depois que o fato se consuma.

Quando isso é posto de lado, os danos costumam ser irreversíveis, a exemplo da demora na atuação de fornecimento de medicamento, que, se ocorrer depois da morte do paciente, é logicamente inútil.

A sentença condenatória do ex-Presidente esbarra numa exigência que os Tribunais e juristas sempre timbraram em defender, como se lê, exemplificativamente, do voto condutor do Ministro Luiz Fux, quando no STJ por ocasião do julgamento da APN 226/SP: “No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica. Condenação exige certeza”.

Essa certeza não existe naquele maçudo pacote condenatório. Isso salta aos olhos do Brasil e do mundo. Não é senão por isso que o Comitê da ONU se pronunciou daquela forma.  Por essa angulação, então, é que deve ser abordada a questão da elegibilidade de Lula, pois uma regra básica hoje da atuação judiciária é: se você não pode remediar, você tem o dever de prevenir.

Para isso que existem as medidas cautelares, para assegurar o resultado útil do processo. Assim, se não for assegurada a elegibilidade agora, e ele vier a ser absolvido de uma sentença de fundamentos tão juridicamente débeis, se terá produzido um mal gigantesco, que aprofunda a  histórica desconfiança no Judiciário. Em vez de estarem batendo palmas, alguns magistrados, embalados pelo sonho de aumentar a púrpura do poder, deveriam se dar conta de que isso é contraproducente. Para usar de uma expressão giriesca, é dar um tiro no pé.

PROBUS: O senhor poderia explicar melhor?

Tome-se o exemplo da esposa do ex-Presidente, que teve seus problemas de saúde exponenciados à medida que aumentava pressão verdadeiramente persecutória contra o marido. O ápice disso foi a condução coercitiva do ex-presidente. A partir daí sua saúde degringolou, resultando em sua morte.

Tempos depois o Supremo Tribunal Federal considerou indevido esse tipo de medida. Esse entendimento “ex post facto” restituiu às coisas ao seu estado originário?

Sendo a sentença de uma inconsistência jurídica flagrante (e a confirmação do TRF-4 não conta, pois este Tribunal mesmo disse em 2016 que Moro tem todo direito de adotar soluções inéditas), pense-se na sua futura anulação pelo STJ ou pelo STF.

Teremos um candidato alijado da disputa, em que é o favorito indiscutível nas pesquisas, condenado à morte política num dado pleito. Para que servem as medidas cautelares? Não é exatamente para prevenir isso?

Portanto, se se quer deixar para dar remédio depois que o paciente estiver morto é porque se queria que ele morresse, não? 

 

 


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