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POLÍCIA, MORTE E PRECONCEITO NO BRASIL: SETEMBRO

POLÍCIA, MORTE E PRECONCEITO NO BRASIL: SETEMBRO

Setembro, 2016: o Brasil sacudido cada dia mais com o peso do aparato estatal repressor.

Não é difícil ver uma etiologia mais profunda desse fato e estabelecer conexões com a midiática Lava Jato, por exemplo, que não deixa à mostra, mas carrega um campeonato de vaidades dos órgãos repressores (pf, mpf e judiciário) que disputam entre si a primazia da ovação popular, chegando às raias do ridículo, como se viu esta semana com Delegados brigando com Agentes Policiais pelo uso exclusivo do termo “autoridade”.

Essa anabolização do sistema de justiça vai certamente tonificar um outro aspecto assustador da vida social brasileira: a policialização.

Nas semanas de setembro, mais desdobramentos dessa gendarmização – com perdão do galicismo – da via pública onde o cidadão deveria sentir-se no seu “ethos”. 

O primeiro deles  veio com os dados contidos no dossiê “A situação dos direitos humanos das mulheres negras no Brasil: violências e violações” (que pode ser baixado no link http://www.criola.org.br/wp-content/uploads/2016/09/Dossie-Mulheres-Negras-PT-WEB3.pdf ), de setembro de 2016, resultado de um trabalho conjunto do Geledés – Instituto da Mulher Negra e Criola – Organização de Mulheres Negras, sob a coordenação de Nilza Iraci e Jurema Werneck.

O documento traz diferentes formas de violações de direitos humanos de mulheres negras brasileiras e foi apresentado na 157ª sessão da Comissão da OEA – Organização dos Estados Americanos. Nele, entre tantos outros dados rigorosamente coletados,  aponta-se que  “as mulheres negras foram as principais vítimas de assassinatos de mulheres, à exceção da Região Sul: 87% na Região Nordeste, 81% na Região Norte, 71% na Região Centro-Oeste, 55% na Região Sudeste e 18% na Região Sul”.

Ele chama ainda a atenção para o fato de que uma das responsabilizações ao Estado brasileiro se faz “pela ação direta de seus agentes: nestes casos, as polícias têm papel preponderante”.

Casos como o de Verônica Bolina,  mulher negra transexual, são representativos da dificuldade de responsabilização: ela foi violentamente espancada e torturada, depois de presa no no 2º Distrito Policial de São Paulo, no Bom Retiro. Os agressores seriam policiais militares e agentes do Grupo de Operações Estratégicas (GOE), da Polícia Civil.

O deputado federal Major Olímpio (PDT-SP), que integra a chamada Bancada da Bala, composta por parlamentares ligados às forças policiais e à indústria das armas, usou a tribuna da Câmara dia 27 de abril de 2015 para pedir medalha ao carcereiro.

 

Mas o Dossiê revela que Bolina foi constrangida “a gravar um depoimento (foi distribuído amplamente) onde nega ter sido vítima de tortura, inocentando policiais e carcereiros. Em depoimento posterior ao Ministério Público, Verônica informou que foi induzida pela Coordenadora de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo, em troca de redução da pena”.

Ele chama ainda a atenção para o fato de que uma das responsabilizações ao Estado brasileiro se faz “pela ação direta de seus agentes: nestes casos, as polícias têm papel preponderante”.

A brutalidade policial do caso Bolina não difere, em essência, daquela denunciada pela jovem baiana que, em 2015, foi até a Corregedoria da PM, localizada na Pituba, em Salvador, acompanhada da mãe e relatou que foi estuprada por dois policiais, quando estava em companhia do namorado acusado de tráfico de drogas. 

O caso da chacina do Cabula, em Salvador, é outro emblemático da viciação no sistema de justiça brasileiro. A juíza Marivalda Almeida Moutinho absolveu, depois de uma condução processual incomumente célere, os nove policiais militares envolvidos nessa fatídica operação, realizada em 6 de fevereiro, que deixou 12 mortos na Vila Moisés, no Cabula. 

Representantes de grupos e o Ministério Público da Bahia criticaram a decisão de absolvição da acusação de homicídio qualificado.  A Anistia Internacional fustigou a a sentença. Seu diretor executivo, Átila Roque, a considerou parcial: “Indignação com a recorrente parcialidade da justiça no Brasil, onde as vítimas de homicídios cometidos pela polícia são sempre tratadas antes de qualquer investigação e a absolvição dos policiais é sempre rápida. Cabula é a cara do Brasil”, escreveu em uma rede social.

Um contraste demonstrativo da força da acusação de seletividade racial do sistema de justiça pode ser encontrado no caso de ofensa feita a mulher branca em 2015 por ser judia, que mereceu, há poucos dias, julgamento rápido e condenação por injúria religiosa em São Paulo em sentença proferida pela juíza Cláudia Carneiro Calbucci Renaux, da 13ª vara criminal da capital daquele estado, um ano depois da suposta ofensa (Processo 0089543-39.2015.8.26.0050).

Nem o Ministério Público tem escapado das críticas de observadores externos, como a Anistia Internacional, que, no relatório “Você matou meu filho – Homicídios cometidos pela Polícia do Rio de Janeiro”, apurou que, de 10 casos reportados como homicídios decorrentes de intervenção policial em 2014 na favela de Acari no Rio de Janeiro, nove deles apresentaram fortes indícios de execuções extrajudiciais, sem que o Ministério Público tivesse se mobilizado para conter a rotina de violações. 

 

PANCADAS E ALGEMAS NA ARTE

No domingo, dia 30 de setembro, o inimaginável aconteceu: a brutalidade policial chegou desfigurando a beleza da arte. O ator, diretor e produtor Caio Martinez Pacheco, responsável pela peça O império que nunca dorme", executada pela  Trupe Olho da Rua em praça pública em Santos-SP, com cerca de 50 pessoas na assistência,  foi algemado, posto à força no fundo de uma viatura e encaminhado à Delegacia de Polícia por suposto desrespeito a símbolos nacionais e à corporação policial. (Assista ao vídeo ao final da matéria.)

O espetáculo trazia personagens vestidos de policiais vestidos de saia e uma bandeira do Brasil invertida. A peça, que, na verdade, chamava atenção para a necessidade de desmilitarização da polícia, foi montada a partir de edital aprovado no Programa de Ação Cultural (ProAC) do governo do estado de São Paulo.

Embora o Governador Alckmin tenha assegurado que o caso será devidamente apurado e responsabilizados os autores em caso de abuso, é provável que o corporativismo policial termine triunfando mais uma vez perante a justiça.

 

TRISTES TRÓPICOS NEGROS

O Brasil convive hoje com uma escandalosa hipertrofia do sistema repressor, sobretudo policial, que se esconde na quase total invisibilidade, similar àquela dos lamentos raciais de negros e negras num País muito mal resolvido com sua síndrome de branqueamento.

O espetáculo da tonificação do sistema nacional de justiça só tende a aumentar essa xerifização policial do cotidiano de excluídos, deserdados do sistema, sobretudo os que carregam o sinete de não serem brancos. 

Enquanto isso, o conhecimento jurídico, na maior parte das academias de direito, carrega seu esquife fúnebre de um conhecimento distanciado dessa realidade social, embasbacado perante falsas sabedorias americanas e europeias, para parafrasear Darcy Ribeiro. 



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